domingo, 5 de maio de 2024

Texto para resumo Xavier 11A



Tal como noutras formas de fideísmo, Pascal parte da ideia de que não há provas adequadas de que Deus existe, nem de que não existe. Deste ponto de vista, há como que um empate das provas a favor e contra a existência de Deus. Contudo, este ponto de partida é uma consideração pessoal e subjectiva; não é o resultado de um exame cuidadoso e exaustivo das provas a favor e contra a existência de Deus. Concluir adequadamente que as provas para um lado e para o outro se anulam ou equilibram é muito mais difícil do que parece à primeira vista. Isto porque não basta apresentar algumas provas duvidosas; é preciso ser exaustivo e procurar as melhores provas a favor da existência de Deus. Depois, é preciso examiná-las para ver se são todas deficientes. Mas mesmo isto ainda não basta; ainda falta comparar o peso relativo das dificuldades encontradas nessas provas com a plausibilidade da hipótese da inexistência de Deus, e das eventuais provas a seu favor. Ver apenas que algumas provas que nos pareciam definitivas deixam muito a desejar está longe de ser uma boa prova de que não se pode saber que Deus existe nem que não existe.

Como é evidente, fica-se surpreendido, e com razão, que seja um crente a declarar que afinal não há provas adequadas da existência de Deus. Nesse caso, por que razão continua ele a acreditar que Deus existe? Não seria muitíssimo mais razoável suspender a crença e adoptar uma posição agnóstica?

Perante qualquer crença, seja ela religiosa ou não, há sempre três atitudes. Vejamos no caso da crença de que Deus existe:

  1. Acreditar que Deus existe.
  2. Acreditar que Deus não existe.
  3. Não acreditar que Deus existe, nem que não existe.

1 é a posição de uma pessoa crente e 2 a de uma ateia. Ambas têm uma crença relativa à existência de Deus, e ambas contrastam com a posição 3, que é a da pessoa agnóstica. Esta última nem acredita que Deus existe, nem acredita que não existe; limita-se a suspender a crença. Isto é algo que fazemos muitas vezes. Por exemplo, é de prever que as pessoas, na sua maioria, não acreditam que existem extraterrestres inteligentes que pesam duzentos quilos; mas também não acreditam que não existem. Simplesmente, não têm qualquer crença quanto a isso.

Este aspecto elementar da lógica da crença não é rejeitado por Pascal; porém, o seu raciocínio desenvolve-se pressupondo que, na prática, tanto faz acreditar que Deus não existe como não acreditar que existe, porque em ambos os casos não somos crentes. De modo que Pascal formula a questão em termos de duas alternativas apenas: acreditar ou não? E a resposta de Pascal é que é irracional não acreditar em Deus, se pensarmos cuidadosamente nas alternativas:

  • Deus existe e acredito; ganho o infinito.
  • Deus existe e não acredito; perco o infinito.
  • Deus não existe e acredito; o que perco não é significativo.
  • Deus não existe e não acredito; o que ganho não é significativo.

Chama-se aposta de Pascal à atitude de apostar na crença porque é a mais vantajosa das quatro alternativas. É a mais vantajosa porque promete um ganho infinito, nada de substancial se perdendo caso se perca a aposta. Em contraste, se não acreditarmos, arriscamo-nos a perder o infinito, e o que se ganha, se Deus realmente não existir, é negligenciável.

A aposta de Pascal compreende-se mais claramente com outro exemplo. Imagine-se que alguém nos propõe um negócio mafioso que custa apenas dois reais. Se existir vida em Marte, esses dois reais rendem-nos duzentos milhões de reais. Se não existir vida em Marte, só perdemos os dois reais. Contudo, se recusarmos delicadamente o negócio, o mafioso puxa da pistola e diz-nos que, nesse caso, se existir vida em Marte, teremos de pagar duzentos milhões de reais. Mas se tivermos a sorte de não existir vida em Marte, diz-nos ele com um sorriso benevolente, guardando a pistola, poupamos os dois reais e nada mais acontece. Eis as alternativas:

  • Há vida em Marte e aposto; ganho duzentos milhões de reais.
  • Há vida em Marte e não aposto; perco duzentos milhões de reais.
  • Não há vida em Marte e aposto; perco dois reais.
  • Não há vida em Marte e não aposto; poupo dois reais.

Caso isto nos fosse proposto, o mais vantajoso seria, evidentemente, abrir a carteira e apostar dois reais na existência de vida em Marte. No máximo, perdemos dois reais — mas talvez ganhemos duzentos milhões. E se não apostarmos, arriscamo-nos a ter de pagar duzentos milhões de reais. Claro que neste caso seria irracional não apostar na existência de vida em Marte.

E é isto que Pascal tinha em mente. Do seu ponto de vista, é irracional não ser crente porque no máximo perde-se tempo com rituais e tudo isso, mas talvez ganhemos o infinito. Em contraste, se não formos crentes, o que se ganha é pouco importante, mas arriscamo-nos a perder o infinito.

Terá Pascal razão?

Desidério Murcho in O Estado da Arte

sexta-feira, 3 de maio de 2024

Texto para resumo Sabrina 11A



Miguel Angelo: A criação


O argumento teleológico de S. Tomás de Aquino (5ª via)

A quinta via é a prova pela ordem do universo. Se considerarmos a ordem existente no universo, desde os componentes microscópicos existentes até os gigantescos astros do firmamento; a harmonia, a atividade e relação entre eles, facilmente chegamos à seguinte conclusão: houve uma inteligência que criou e ordenou tudo isso; caso contrário, seria absurdo dizer que isso é fruto do acaso.

“De fato, apenas a inteligência pode ser razão da ordem, quer dizer, da organização dos meios em vista de um fim, ou dos elementos em vista do todo que eles compõem: os corpos ignoram os fins e, por conseguinte, se os corpos ou os elementos conspiram em conjunto, é necessário que sua organização tenha sido obra de uma inteligência”.

Garrigou-Lagrange diz: “Os seres privados de razão não tendem a um fim se não são guiados por uma inteligência, como a flecha pelo arqueiro. Com efeito, uma coisa não pode estar ordenada à outra senão por uma causa ordenadora, que necessariamente deve ser inteligente, sapientis est ordinare. Por quê? Porque só a inteligência conhece a razão de ser das coisas”.

Que inteligência ordena o universo?
Tem de ser diferente dos seres da natureza, porque os minerais e vegetais são desprovidos da ciência das coisas e os animais não possuem intelecto. Deve ser, também, diferente da inteligência humana, que, apesar de perceber e explicar a ordem que existe, não a cria. Tem que ser, pois, a suma inteligência, dado que a ordem do universo supõe um ser que possua a ciência de todos os seres e suas propriedades. Por isso, conclui Garrigou-Lagrange: “Os animais conhecem sensivelmente o objeto que constitui seu fim, mas nesse objeto não percebem a razão formal do fim. Por conseguinte, se não houvesse uma inteligência ordenadora, que governasse o mundo, a ordem e a inteligibilidade que há no universo e que as ciências descobrem, proviria da inteligibilidade, e ainda mais, nossas próprias inteligências proviriam de uma causa cega e ininteligível; uma vez mais, o mais sairia do menos, o que é absurdo”.
 
Inteligência Criadora e Ordenadora
É preciso esclarecer que a Inteligência Criadora e Ordenadora do universo é Infinita e Divina. Um ser natural, na sua criação não é precedido por nada e suas propriedades e capacidades provêm de sua própria essência. Daí, a ordem interna de cada ser e, por conseguinte, das relações destas essências entre si, resulta a ordem externa do universo.
Sendo a causa total de toda ordem, o Autor dessas essências precisa ser também Criador, por tirá-las do nada. Portanto, a Inteligência ordenadora é também Criadora. Também, essa Inteligência não pode ter sido criada, porque seria como qualquer outro ser existente e não ordenaria, mas seria ordenada por outra inteligência. Por fim, a Inteligência ordenadora deve ser também por si subsistente e infinita. A esse ser Criador, subsistente por si e infinito, chamamos Deus.

Argumento:
1- No mundo, algumas coisas operam por causa de um fim.
2- Essas coisas não atingem o fim por acaso.
3- Essas coisas não tendem para um fim a não ser que sejam dirigidas por algo inteligente.
4- Logo, existe algo inteligente, que é Deus, que dirige as coisas para um fim.
 
André Botelho

Retirado DAQUI

segunda-feira, 29 de abril de 2024

Texto para resumo Miriam 11A



Objeções ao argumento cosmológico de São Tomás de Aquino

Em primeiro lugar, o argumento [cosmológico] apenas provaria que cada série de causas tem uma causa primeira ou incausada, mas não prova que todas as causas sejam parte de uma série única de causas que tenha a única primeira causa, porque é possível que nem todas as causas sejam partes de uma série única de causas. Por outras palavras, o argumento provaria que há uma ou mais causas primeiras, mas não que exista apenas uma.
Em segundo lugar, [o argumento cosmológico] apenas provaria, no melhor dos casos, que a primeira causa existe, não que essa primeira causa seja Deus. Em vez disso, a primeira causa poderia ter sido o Diabo (um candidato plausível, dada a natureza do universo). E mesmo que o argumento tivesse provado que a primeira causa tinha de ser um deus, não provaria que ele tivesse de ser o seu Deus (se for um crente) ou um deus que encaixasse na imagem comum que os cristãos, judeus ou muçulmanos têm de Deus. Poderia ser qualquer um dos milhares de deuses diferentes em que os seres humanos acreditam ou, talvez, um deus em que os seres humanos nunca tenham pensado. De facto, o argumento da primeira causa abre a possibilidade de que tenha existido um Deus que criou o universo (ou talvez muitos deuses), mas que agora Deus está morto.
Além das duas objeções que acabámos de levantar contra o argumento da primeira causa, há uma objeção geral a todas as espécies de provas cosmológicas da existência de Deus. Lembremos que a força do argumento cosmológico reside na ideia de que não é plausível pensar que o universo tenha começado a existir apenas por si mesmo. Por outras palavras, parece a muitos crentes que uma coisa tão grandiosa como o universo requer, como seu criador, um ser que seja pelo menos tão grandioso.
Mas esta linha de raciocínio põe-nos em apuros. Se um universo requer um deus para explicar a sua existência, o que explica a existência do próprio Deus? Da mesma maneira, ou Deus existiu desde sempre ou apenas apareceu ou então deve ter tido uma causa. No entanto, é tão implausível pensar que Deus sempre existiu ou que tenha simplesmente surgido, como pensar que também foi assim com o universo. O próprio raciocínio que nos leva a propor um deus como causa do universo deve levar-nos a propor um supradeus como causa de Deus. E, claro, o supradeus também precisa de uma causa, o suprasupradeus e assim infinitamente. Portanto, sejam quais forem as voltas que dermos, o que obtemos no fim é igualmente implausível. É tão implausível um deus incausado como um universo incausado, e é tão incrível uma série infinita de causas como uma série infinita de deuses. Portanto, sejam quais forem as voltas que dermos, o que obtemos no fim é igualmente implausível. É tão implausível um deus incausado como um universo incausado, e é tão incrível uma série infinita de causas como uma série infinita de deuses.

Howard Kahane, “Há boas razões para acreditar que Deus existe?”, 

quinta-feira, 25 de abril de 2024

Texto para resumo Pedro Ribeiro 11A


O que é a filosofia da religião

A filosofia da religião tem como objectivo investigar por processos estritamente racionais as crenças religiosas fundamentais, com o fim de determinar o seu significado e de saber se são justificadas.

Embora sejam várias as crenças que interessam à filosofia da religião, a mais importante é a crença na existência de Deus. A respeito desta crença existem dois problemas principais:

  1. O problema da definição de Deus, isto é, o problema de saber se é possível fazer uma descrição coerente dos atributos normalmente afirmados de Deus; e
  2. O problema de saber se há boas razões para afirmar que Deus existe.

Iremos falar destes dois problemas em seguida, embora a nossa atenção se vá centrar no segundo. De modo geral, entende-se que uma crença está justificada quando as provas a seu favor mostrem que essa crença é verdadeira ou bastante provável. Um exemplo ajudará a perceber a ideia. Imagine que um astrónomo comunica à comunidade científica que as suas investigações o levam a pensar que existe um planeta, até então desconhecido, entre Neptuno e Plutão. O astrónomo que faz esta afirmação pode ser muito reputado, mas é óbvio que nenhum outro astrónomo a vai considerar verdadeira a menos que ele a justifique. Os outros astrónomos vão querer saber que provas tem ele a favor dela e só a considerarão verdadeira se essas provas forem tais que mostrem que ela é verdadeira ou, pelo menos, bastante provável. Em princípio, as provas que o astrónomo pode utilizar são de dois tipos: argumentos e indícios empíricas. Neste caso, dado o conteúdo da afirmação, mesmo que os argumentos fossem muito fortes seria pouco provável que os astrónomos se contentassem apenas com argumentos. Eles só considerariam a afirmação provada quando tivessem acesso a dados empíricos favoráveis, por exemplo, imagens do planeta obtidas por telescópio.

A situação não é muito diferente em filosofia da religião. Para que uma afirmação seja aceite ela tem de passar por um processo de justificação semelhante. A diferença principal está em que a maior parte das crenças religiosas não podem, ao contrário das afirmações sobre planetas, ser justificadas por intermédio de indícios empíricas. Não é possível provar, devido à própria natureza de Deus, por meios empíricos a Sua existência. É por essa razão que a investigação dessa crença pertence à filosofia e não à ciência. Para percebermos melhor isto temos de abordar a questão da definição de Deus.

A definição de Deus

O problema da definição ou da natureza de Deus é um problema complexo e difícil. Por esse motivo, a nossa abordagem será forçosamente breve. Contudo, podemos dizer que envolve duas questões principais. Uma, a da definição propriamente dita, isto é, a questão de saber que propriedades devem ser atribuídas a Deus; e outra, a de saber se essas propriedades podem ser descritas de modo a serem combinadas numa definição coerente de Deus.

A primeira questão deu origem a duas doutrinas filosoficamente mais relevantes, o teísmo e o deísmo, que embora tenham elementos em comum diferem em certos aspectos de forma importante. O teísmo é a concepção da natureza de Deus segundo a qual Deus é um ser pessoal, espiritual, imutável, omnipresente, criador do universo, transcendente (que está fora do espaço e do tempo), omnipotente (que pode tudo), omnisciente (que sabe tudo), sumamente bom e necessário. Os teístas admitem a revelação, por intermédio, por exemplo, de um livro sagrado como a Bíblia ou o Corão, ou de milagres e profecias, e pensam que Deus intervém no mundo, assegurando a sua existência contínua. Os deístas, pelo contrário, recusam-se a aceitar qualquer forma de revelação como fonte de conhecimento de Deus. Para eles, os únicos conhecimentos legítimos da natureza de Deus são os que derivam de processos racionais de investigação. O deísmo, tal como o teísmo, afirma que existe um Deus pessoal e transcendente, que criou o mundo e que estabeleceu as leis que o regem, mas, ao contrário do teísmo, nega que Deus intervenha no curso dos acontecimentos do mundo seja de que maneira for e que responda às preces e necessidades humanas.

Álvaro Nunes Retirado DAQUI

terça-feira, 27 de fevereiro de 2024

Matriz para o 3º teste - Ano letivo 2023/24

 


Estrutura do teste


Teste 1: CONCEPTUALIZAÇÃO 

Grupo I: 10 Perguntas de escolha múltipla (10 x 15 = 150 Pontos).

Grupo II: 2 Perguntas de definições de conceitos (25 + 25 = 50 Pontos). 

TOTAL 200 Pontos.


Teste 2: ARGUMENTAÇÃO/PROBLEMATIZAÇÃO: 

Um grupo com cinco perguntas. 

Destas cinco perguntas, duas incluem textos. 

Todas as perguntas implicam justificação e desenvolvimento, isto é, para além de dominar os conteúdos o aluno deve interpretar, comentar, explicar e criticar. 

5x40 Pontos – TOTAL 200 pontos

 

A prova visa avaliar duas competências: Conceptualização e Argumentação/Problematização. A competência transversal é a comunicação/correção escrita. A prova é constituída por dois testes, em função de cada competência. Cada grupo tem uma pontuação de 0 a 20 valores.



A. Competências relativas à Filosofia da Ciência:

  1. Formular os problemas da Filosofia da Ciência.

  2. Distinguir senso comum de conhecimento científico.

  3. Identificar etapas do método indutivo.

  4. Explicar o problema da Indução para David Hume e Popper.

  5. Identificar etapas do método hipotético-dedutivo.

  6. Formular o problema da demarcação científica.

  7. Explicitar o verificacionismo e o falsificacionismo enquanto critério de demarcação.

  8. Comparar os critérios de demarcação verificacionista e falsificacionista.

  9. Enunciar objeções aos critérios verificacionista e falsificacionista.


  1. Explicar o método das Conjeturas e Refutações de Popper.

  2. Esclarecer o conceito de Conjetura.

  3. Relacionar a noção de “verosimilhança” e “verdade”.

  4. Explicitar a noção de teoria corroborada.

  5. Distinguir corroboração de confirmação.

  6. Justificar a Ciência enquanto processo cumulativo de conhecimentos.


  1. Identificar etapas do desenvolvimento da ciência da ciência para Kuhn.

  2. Caracterizar as diferentes etapas do desenvolvimento.

  3. Definir paradigma.

  4. Explicitar a tese da incomensurabilidade de paradigmas.

  5. Justificar a Ciência enquanto processo não cumulativo de conhecimentos.

  6. Distinguir o processo cumulativo de não cumulativo de conhecimentos.



B. Competências gerais:

 

- Compreender, em linhas gerais, a história da ciência e os métodos científicos.

- Definir os conceitos nucleares da unidade sobre o estatuto do conhecimento científico. 

- Aplicar os conhecimentos adquiridos a novas situações.

- Elaborar respostas bem articuladas.

- Justificar as respostas dadas.

- Analisar um texto filosófico.

- Comentar uma frase aplicando os conhecimentos obtidos.


sexta-feira, 23 de fevereiro de 2024

Sobre a falsificabilidade

 

Encontrar boas teorias

A teoria de Popper não diz que são igualmente boas todas as teorias que ainda não foram falsificadas. Algumas teorias são melhores do que outras. O que faz uma teoria não falsificada ser preferível a outra é o facto de poder ser mais facilmente falsificada. Mas o que faz uma teoria ser mais facilmente falsificada do que outra? Uma forma de uma teoria ser mais facilmente falsificada deve-se à sua maior abrangência. Consideremos estas duas teorias acerca da gravidade:

Todos os objectos caem em direcção ao centro da Terra.
Em Londres todos os objectos caem em direcção ao centro da Terra.

A primeira teoria é mais abrangente. Prevê tudo o que a segunda prevê e prevê ainda muito mais. Sendo que prevê mais, é mais fácil de falsificar do que a segunda teoria.

Uma teoria é também mais facilmente falsificada se fizer previsões mais precisas. Consideremos a afirmação:

Todas as pessoas felizes usam cores brilhantes.

Trata-se de uma asserção bastante vaga. O que é exactamente a felicidade e como podemos medi-la? Onde está precisamente a fronteira entre ser feliz e não o ser? O que se deve considerar brilhante? Estas e outras questões levantam-se assim que resolvemos testar a afirmação. E é claro, dada a sua vagueza, alguém que esteja interessado em defendê-la pode sempre fugir ao que parece uma falsificação, dizendo “Bem, não era propriamente isso que queria dizer com “brilhante"”, ou “Esta pessoa não é propriamente alguém que eu consideraria “feliz"”. A vagueza faz uma afirmação ser muito mais difícil de falsificar.

Uma teoria que faz previsões precisas e sem ambiguidades acerca de fenómenos quantificáveis e mensuráveis é muito mais fácil de falsificar. Por exemplo, a teoria de que todas as pedras pesam precisamente 500g pode ser facilmente falsificável com a ajuda de uma simples balança. Os instrumentos de medida, como os manómetros ou os termómetros, fornecem aos cientistas ferramentas eficazes para testar as suas teorias.

Stephen 

Law in

https://criticanarede.com/fildaciencia.html

sábado, 17 de fevereiro de 2024

Texto para resumo Luca 11A e Maria Clara 11I

 


Rudolf Carnap (1966) argumentou contra as teorias das forças vitais na biologia devido ao fato de não fazerem previsões definidas e precisas, e muitas pessoas afirmam que a relatividade geral e/ou a eletrodinâmica quântica são as teorias científicas mais bem-sucedidas de todos os tempos, não apenas porque fazem previsões muito precisas, mas também porque foram confirmadas experimentalmente. O sucesso previsível original e preciso é uma diferença crucial entre a ciência e a pseudociência, mas isso é muitas vezes negligenciado devido à ênfase dada à falsificabilidade. A pseudociência pode ser caracterizada negativamente na medida em que não faz previsões precisas e cuidadosas, enquanto a ciência no geral o faz. O ponto é que este critério levanta problemas a algumas áreas das ciências sociais e da física teórica.

É importante distinguir frases que fazem afirmações factuais sobre o mundo das que não o fazem. Tanto quem fala treta como quem faz pseudociência produz frases com a intenção de convencer a sua audiência de que alguma afirmação factual está sendo feita, quando na realidade não está. Por exemplo, um político, ao lhe ser perguntado como alcançará um certo objetivo à luz de uma dada crítica, pode responder: “o importante é assegurar que, seguindo adiante, criemos processos robustos que entregarão os serviços que o povo corretamente espera serem da melhor qualidade, e é por isso que dei passos no sentido de garantir que as nossas políticas responderão às necessidades existentes”. Ele é bem-sucedido em usar o tempo disponível, utiliza o seu tom de voz e a sua expressão facial para passar uma impressão possivelmente falsa dos seus estados afetivos e valores, e acaba não dizendo nada (ou ao menos nada além das banalidades esperadas). A função deste tipo de treta, como diz Frankfurt, não é originar crenças na audiência, pelo menos crenças sobre o assunto em questão, mas antes provocar crenças sobre o próprio político e os seus bons serviços.

James Ladyman, Filosofia da pseudociência


 


Terá a ciência atingido os seus limites?

Desde os filósofos pré-socráticos até ao presente, a civilização ocidental tem sido virtualmente motivada pela confiança axiomática depositada no progresso científico. Podem ter existido erros (a cosmografia de Ptolomeu), momentos de regressão e de frustração, mas o movimento impulsionador da descoberta e do conhecimento científicos parece ter definido o da própria razão. A relação do pensamento humano com os avanços científicos foi fundamental para a antropologia, para os modelos da história humana implícitos em Galileu e Descartes. Foi fundamental para o estabelecimento da modernidade, do positivismo e do conceito de verdade nos trabalhos de Newton, de Darwin e dos seus sucessores. Por sua vez, as teorias científicas subscreveram a evolução constante da tecnologia na qual as sociedades ocidentais alicerçaram o seu poder. Tal como Bacon e Leibniz pregaram, as portas do progresso científico teórico e aplicado estiveram sempre abertas, definindo o horizonte do amanhã.
Será que continua a ser assim? Estarão agora à vista certos limites, certas barreiras às nossas expectativas? A possibilidade de a Teoria das Cordas não poder ser verificada nem falseada implica uma crise ontológica no seio do próprio conceito de ciência. Há motivos intrínsecos que nos levam a acreditar que a cosmologia e a correspondente exploração do microcosmos são as suas fronteiras. Não há nenhum instrumento de observação por mais sofisticado que seja que nos permita prosseguir para lá das «paredes douradas» externas ou internas do nosso possível universo local. O conhecimento da consciência tem-se mostrado radicalmente evasivo. Pode muito bem acontecer que as analogias computacionais constituam um beco sem saída. A incompletude e a indeterminação, exemplificadas pelas obras de Gödel e de Heisenberg, são «muros» contra as quais a razão embate em vão. A acentuada diminuição do número de estudantes inscritos em cursos de ciências «duras» no Ocidente é sintomática. Tal como o são as novas ondas de racionalismo, irracionalidade, fundamentalismo e superstição que atualmente se abatem sobre nós.
As conjeturas estarão certamente sempre erradas. A biologia sintética e a biogenética, a biocomputação, o aproveitamento de bactérias em processos industriais prometem avanços espectaculares. A matemática progride, por assim dizer, autonomamente. No entanto, talvez as grandes ciências clássicas e a sua autoconfiança se estejam a desvanecer, o que constituiria uma grande revolução em todos os domínios da consciência e da sociedade.
Esta Conferência pretende explorar algumas das possíveis consequências. O Concorde foi uma maravilha aerodinâmica, tecnológica. Não há qualquer intenção de o voltar a fazer voar.


George Steiner


(Texto introdutório da conferência apresentada no dia 25 de Outubro na Fundação Calouste Gulbenkian)

segunda-feira, 5 de fevereiro de 2024

Texto para Resumo Gustavo 11ºI e Gustavo 11A

 

"O Problema da Indução

Um tipo diferente de objecção à perspectiva simples do método científico levanta-se pelo facto de esta se apoiar na indução e não na dedução. (...) Um argumento indutivo envolve uma generalização baseada num certo número de observações específicas. Se eu observar um grande número de animais com pêlo, concluindo a partir das minhas observações que todos os animais com pêlo são vivíparos (isto é, dão à luz crias em vez de porem ovos), estaria a usar um argumento indutivo. (...) 

Estamos sempre a usar argumentos indutivos. É a indução que nos leva a esperar que o futuro seja semelhante ao passado. (...) As nossas vidas são todas baseadas no facto de a indução nos proporcionar previsões razoavelmente fidedignas acerca do nosso meio e acerca do resultado provável das nossas acções. Sem o princípio da indução, a nossa interacção com o meio seria completamente caótica: não teríamos bases para presumir que o futuro seria como o passado. (...) Toda a regularidade prevista no nosso meio estaria aberta a dúvida. (...)

Apesar deste papel central desempenhado pela indução nas nossas vidas, é um facto indesmentível que o princípio da indução não é inteiramente fidedigno. (...) Para ilustrar este aspecto, Bertrand Russel usou o exemplo de uma galinha que acorda todas as manhãs pensando que, uma vez que foi alimentada no dia anterior, sê-lo-á mais uma vez naquele dia. Um dia acorda e o camponês torce-lhe o pescoço. A galinha estava a usar um argumento indutivo baseado num grande número de observações. Estaremos a ser tão tolos quanto esta galinha, ao apoiarmo-nos tão fortemente na indução?"

Nigel Warburton (2007), Elementos Básicos da Filosofia. Lisboa: Gradiva, pp. 185-187.

domingo, 4 de fevereiro de 2024

Texto para resumo Beatriz 11I e Gonçalo Alegre 11A


 «Quando liga o computador de manhã confia que ele não vai explodir. Porquê? Porque habitualmente o liga de manhã e até agora nenhuma explosão aconteceu. Mas inferir de “Até agora o meu computador não explodiu quando o liguei de manhã” que “O meu computador não explodirá quando o ligar da próxima vez” é efetuar uma inferência indutiva, não dedutiva. A premissa da sua inferência não implica a conclusão. É logicamente possível que o seu computador expluda da próxima vez que o ligar, embora até agora tal não tenha acontecido. E apesar de tudo, ao longo da nossa vida confiamos nas nossas inferências indutivas, quase sem nisso pensarmos. Em muitos casos, é aconselhável confiar na indução, caso contrário poderemos pensar que se não conseguimos voar até agora tal pode acontecer da próxima vez e saltar de um 7.º andar do edifício em que moramos. Mas argumentar que a indução é digna de confiança porque até agora tem funcionado bem é argumentar de forma indutiva.

E os cientistas usam também o raciocínio indutivo? A resposta é sim. Consideremos uma doença genética conhecia pelo nome de síndroma de Down (S. D.) Os geneticistas dizem-nos que os pacientes de S. D. têm um cromossoma a mais: 47 em vez de 46. Como o sabem? Porque examinaram um vasto número de pacientes com síndroma de Down e verificaram que tinham um cromossoma a mais. Então, raciocinando indutivamente, concluíram que os pacientes com S. D. são todos os pacientes com um cromossoma a mais. O facto de os doentes com S. D. examinados terem um cromossoma a mais não prova, rigorosamente falando, que isso acontece com todos os pacientes de S. D. É possível, embora altamente improvável, que a amostra estudada não seja representativa.

Este exemplo não é caso único. De facto, os cientistas usam o raciocínio indutivo sempre que a partir de um número limitado de casos e de dados formulam conclusões gerais que pretendem valer para todos os casos e dados (é o que fazem constantemente). Consideremos o princípio de que um corpo exerce uma atracão gravitacional sobre outro. Como é óbvio, Newton não examinou todo e qualquer corpo existente no universo para chegar a este princípio – não poderia. Viu que tal princípio era verdadeiro para o Sol e os planetas e para alguns objetos movendo-se perto da superfície da Terra. A partir desses dados inferiu que o princípio da gravitação universal era verdadeiro para todos os objetos. Mais uma vez trata-se de uma inferência indutiva: o facto de o princípio valer para alguns objetos não garante que valha para todos.

Muitos filósofos e cientistas pensam ser óbvio que a ciência se baseia em raciocínios indutivos, pelo menos em grande parte. Mas…» 

SAMIR OKASHA, Philosophy of Science – A Very Short Introduction, Oxford, Oxford University Press, pp. 20-23 (adaptado).

terça-feira, 30 de janeiro de 2024

Texto para resumo Diana Rodrigues11I e Diego 11A




"Nas diferenças entre a ciência moderna e o senso comum já mencionadas, está implícita a diferença importante que deriva de uma estratégia deliberada da ciência que a leva a expor as suas propostas cognitivas ao confronto repetido com dados observacionais criticamente comprovativos, procurados sob condições cuidadosamente controladas. Isto não significa, no entanto, que as crenças do senso comum sejam invariavelmente erradas, ou que não tenham quaisquer fundamentos em factos empiricamente verificáveis. Significa que, por uma questão de princípio estabelecido, as crenças do senso comum não são sujeitas a testes sistemáticos realizados à luz de dados obtidos para determinar se essas crenças são fidedignas e qual é o alcance da sua validade. Significa também que os dados admitidos como relevantes na ciência devem ser obtidos através de procedimentos instituídos com o objectivo de eliminar fontes de erro conhecidas. Deste modo, a procura de explicações na ciência não consiste simplesmente em tentar obter "primeiros princípios" que sejam plausíveis à primeira vista e que possam vagamente dar conta dos "factos" da experiência habitual. Pelo contrário, essa procura consiste em tentar obter hipóteses explicativas que sejam genuinamente testáveis, porque se exige que elas tenham consequências lógicas suficientemente precisas para não serem compatíveis com quase todos os estados de coisas concebíveis. As hipóteses procuradas devem assim estar sujeitas à possibilidade de rejeição, que dependerá dos resultados dos procedimentos críticos, inerentes à pesquisa científica, destinados a determinar quais são os verdadeiros factos do mundo."



Ernest Nagel, The Structure of Science (Nova Iorque, Harcourt, Brace & World, 1961). Tradução de Pedro Galvão

segunda-feira, 29 de janeiro de 2024

Texto para resumo Ana Carolina Pereira e Daniel Focsa

O que é a ciência?

Paul Davies
A ciência tem de envolver mais do que a mera catalogação de factos e do que a descoberta, através da tentativa e erro, de maneiras de proceder que funcionam. O que é crucial na verdadeira ciência é o facto de envolver a descoberta de princípios que subjazem e conectam os fenómenos naturais.
Apesar de concordar completamente que devemos respeitar a visão do mundo de povos indígenas não europeus, não penso que coisas como a astronomia maia, a acupunctura chinesa, etc., obedeçam à minha definição. O sistema ptolemaico de epiciclos alcançou uma precisão razoável ao descrever o movimento dos corpos celestes, mas não havia qualquer teoria propriamente dita subjacente ao sistema. A mecânica newtoniana, pelo contrário, não apenas descrevia os movimentos dos planetas de modo mais simples, conectava o movimento da Lua com a queda da maçã. Isto é verdadeira ciência, pois revela coisas que não podemos saber de nenhuma outra maneira.
Terá a astronomia maia ou a acupunctura chinesa alguma vez conduzido a uma previsão que não tenha falhado nem seja trivial e que tenha conduzido a novos conhecimentos sobre o mundo? Muitas pessoas tropeçaram no facto de que certas coisas funcionam, mas a verdadeira ciência consiste em saber por que razão as coisas funcionam. Tenho uma atitude de abertura em relação à acupunctura, mas se tal coisa funcionar, apostaria muito mais numa explicação baseada em impulsos nervosos do que em misteriosas correntes de energia cuja realidade física nunca foi demonstrada.
Por que razão nasceu a ciência na Europa? Na época de Galileu e Newton a China era muito mais avançada tecnologicamente. Contudo, a tecnologia chinesa (como a dos aborígenes australianos) foi alcançada por tentativa e erro, refinados ao longo de muitas gerações. O boomerang não foi inventado partindo da compreensão dos princípios da hidrodinâmica para depois conceber um instrumento. A bússola (descoberta pelos chineses) não envolveu a formulação dos princípios do magnetismo. Estes princípios emergiram da (verdadeira, segundo a minha definição) cultura científica da Europa. Claro que, historicamente, surgiu também alguma ciência de descobertas acidentais que só mais tarde foram compreendidas. Mas os exemplos mais óbvios da verdadeira ciência — tais como as ondas de rádio, a energia nuclear, o computador, a engenharia genética — emergiram, todos eles, da aplicação de uma compreensão teórica profunda que já existia — muitas vezes há muito tempo — antes da tecnologia que se procurava.
As razões que determinaram que tenha sido a Europa a dar à luz a ciência são complexas, mas têm certamente muito a ver com a filosofia grega e a sua noção de que os seres humanos podiam alcançar uma compreensão do modo como o mundo funciona por intermédio do pensamento racional, e com as três religiões monoteístas — o judaísmo, o cristianismo e o islamismo — e a sua noção de uma ordem na natureza, ordem essa que era real, legiforme, criada e imposta por um Grande Arquitecto.
Apesar de a ciência ter começado na Europa, é universal e está agora à disposição de todas as culturas. Podemos continuar a dar valor aos sistemas de crenças das outras culturas, ao mesmo tempo que reconhecemos que o conhecimento científico é algo de especial que transcende a cultura.
Tradução de Desidério Murcho